quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Antônio e os meus olhos de malícia.




Encontrei Antônio na Angels, no dia que tinha de blues naquela boate do centro da cidade. Quase todas as quartas quando saía do trabalho, passava antes na Madalena para dar carona a mais dois amigos que também gostava muito de ir lá escutar blues e tomar uma cerveja. Mas nesse dia, os meus amigos não foram e eu fiquei sentada sozinha numa mesa  encostada no canto da parede. Gostava tanto de música que não queria deixar de ir naquele dia, eles chamavam sempre bandas legais e achava bom ter essa opção na cidade. 2015 e estava tudo muito complicado na música para mim que gostava de músicas que muita gente não escuta mais, adorava quando encontrava lugares que tivessem pessoas tocando um bom samba, jazz, blues, bossa nova e mpb mais antigo. Sentia falta da intensidade dos músicos depois de 1980, o que para mim era muito chato viver numa sociedade que vive para viver simplesmente. Que falam de qualidade vida todo tempo, de uma geração de tantas inseguranças pessoais, profissionais, sem nenhum engajamento político e social. As pessoas acham que elas não estão dentro da política e se for para apoiar políticos corruptos eu também não estaria. Mas ser político é ter consciência ética e cidadania. Ser atuante. Era fácil fazer divagações sobre a geração de papel, que não acredita muito tempo em quase nada. Vive trocando de convicções por conveniência. Estar incluído nessa sociedade não era muito legal para mim, a perspectiva era continuar não aceitando coisas que pareciam ser ótimas para todo mundo e para mim era muito normal ter paciência para aturar tanta chatice. Estava lá em minha mesa, tomando uma cerveja, olhando para a banda, quando alguém passou por mim com uma sacola que dava para ver que ali tinha um vinil pelo formato do pacote de papelão marrom. Sempre fui muito curiosa e me deu vontade de saber de quem era o vinil, talvez de um cantor que eu também gostasse. Mas seria difícil me aproximar pois estava sentada numa mesa, num dia em que a boate não tinha muita gente, achei nada convidativo tentar me aproximar. Fiquei tão preocupada em saber da questão do vinil e para isto olhava para a outra cadeira em que estava o pacote que quando voltei a olhar mais pra mesa reconheci aquele homem, estava muito diferente desde que nos falávamos na época que acontecia a Terça do Vinil e que ainda não tinha mudado para o Pátio de Santa Cruz. Lembrei também de sentarmos para escutar Nina Simone no Texas Bar, foi nessa época que precisei parar de sair por um tempo e não avisei a quase ninguém. Simplesmente sumi, eu e toda depressão que tive. Enquanto olhava para o vinil, ele já me observava e quando olhei direito para o seu rosto, veio e ficou ao meu lado na mesa que tinha escolhido, uma mesa para duas pessoas, por muito tempo de minha vida. 

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