Capítulo II
Seraphine se abaixa para colocar o balde na cabeça. Não
demoraria muito e a senhorinha estaria pronta para o banho. O vestido alvo
sobre a cama era tudo que Seraphine sempre sonhou para sua querida Gisele, mas
não tinha meios para sair daquela vida de pobreza. Gisele nunca reclamava nada
para mãe, pois sabia conviver bem consigo e não via na pobreza nada mais além
do que a falta de roupas finas e de uma cama mais macia. O trabalho na cocheira
não era amargo. Cuidar dos cavalos sempre fora um prazer muito grande e não se
importava de ter patrões, afinal eles eram tão bons com ela e sua mãe. Quando o
senhor vinha da cidade sempre trazia folhas de papel e lápis, pois tinha gosto
em ver Gisele escrever frases muitas vezes nunca imaginadas por alguém que
nunca saíra das redondezas. A maioria das frases falava de uma atmosfera
parisiense, de formas rebuscadas com detalhes finos e de perfil clássico. A
letra de Gisele era algo surpreendente. Era bem desenhada, por isso, espanto
para todos que a conheciam. Pois Gisele nunca tinha sequer pisado numa escola e
nem tido oportunidade de frequentar lugares luxuosos.
De dia, era normal vê-la nos arredores da cocheira e à noite,
à luz de uma vela, sentada na mesa da cozinha da casa grande, ali passava duas,
três horas escrevendo. Dizia à sua mãe que escrever era algo que poderia sempre
modificar e criar, já que a vida ainda não lhe reservava tal poder.
Seraphine, apesar das poucas condições, tinha um bom gosto
muito grande e tudo que a adornava dava-lhe uma sensação de requinte. Sempre
cultivava o corpo e possuía uma educação impecável. O que dava muito gosto a
Gisele, que apesar de não saber muito sobre sua mãe, admirava-a e encontrava em
seus traços delgados uma herança europeia.
A vida na fazenda se dava tranquila. Patrões bons, que
gostavam de boa música e fartura. Praticamente viviam da colheita do café. Ao
redor da casa principal existia um vilarejo em que moravam os trabalhadores.
Seraphine e Gisele eram as únicas que moravam ao lado da casa grande. Seraphine
desde que voltou da França passou a cuidar de Elizabeth, a senhorinha da casa.
Gisele escutava de Samuel palavras duras que a excitavam.
Homem grosseiro, mãos hábeis a uma forma de carinho absolutamente bruta.
Entretanto precisava de uma esposa e não tinha isto de Gisele. A cada vez que
se desnudavam e se jogavam entre a grama, sentiam um prazer demasiadamente sem
escrúpulos. Dessa forma, Gisele sentia-se sexualmente realizada e cada vez mais
livre. Não necessitava nada mais do que os encontros animalescos com aquele
homem. Achava a vida muito simples, sem casa, sem filhos, sem marido. Era
instintiva e sem vínculos afetivos com ninguém. Gostava de se igualar aos
cavalos. Gostava de sentir os cabelos pesados sobre as costas num ímpeto
selvagem. Ao mesmo tempo que dava bastante importância aos requintes de sua
mãe.
Ao redor da fazenda existiam diversos tipos de árvore e uma
estrada longínqua que levava até a cidade. Não existia barulho a não ser dos
trabalhadores na lavoura e dos pequenos bichos. A noite era preenchida por um
céu limpo cujas estrelas brincavam com a vista de quem se deitava na relva para
passar o tempo. A solidão não era conhecida pelas pessoas que tinham se acostumado
com a calma. Para Gisele era ainda mais interessante, pois não tinha noção do
que era o ritmo fora dali. Mas era vasto o que sabia por Seraphine e Elizabeth.
Sabia que uma hora a vontade de conhecer lugares iria ser forte. Mas não tinha
pressa. A única coisa que pensava no momento era satisfazer seus desejos mais
primários. A necessidade de roupas delicadas não passava por sua cabeça. Não
tinha maiores problemas com o que possuía mesmo sendo muito pouco. A pequena
felicidade que tinha vinha de um anseio que estava sempre ao seu alcance. Para
Seraphine, toda aquela satisfação por aquela vida brejeira era algo bom, mas
algo ia acontecer no decorrer da vida para que ela aguçasse a vontade de
explorar, de se comunicar com o mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário