segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Cecília vivera mais


Crônica, 2010.


      

Cecília vivera mais.
Dias sem o tempo e a complicação das ruas da cidade, do cheiro irritado e miserável de quem busca o que nem sabe achar. As migalhas dos lugares ocos, os porres de uma vida amarga. Era mesmo um nervo a cada cigarro e no findar do dia, sobrava a expectativa de um amanhã diferente. O sabor da sujeira na alma era o pior de tudo depois de passar por tanta gente que traz a mediocridade nas veias e feridas expostas revestidas de uma forma de prazer inútil, destrutível, incansável. Então mais um cigarro para ver que quem está do lado é mero prazer “sobrevivente” que levanta da cama antes que a noite acabe. A mais louca ilusão que sentia Cecília, o vazio.
Era assim que voltava para casa, exausta, sentada no banco do ônibus e fumava o último cigarro daquela madrugada. Nesse instante parou e lentamente olhou para si como se desconhecesse aquelas mãos, as unhas num vermelho vivo, estava cansada de tudo. Mais uma vez não entendia por que estava voltando ou por que procurava aquele apartamento do outro lado da cidade. Não era seu mundo. A começar pelos sobrados de cômodos claustrofóbicos. Talvez aquela realidade fria trouxesse algum prazer, ou quem sabe a forma com que todos ali buscavam a felicidade. Era como se os impulsos inquietassem mesmo a vida. Não querer entender, apenas sentir. Isso era tão importante.
Foi assim que Cecília sentiu Antônio, como um devaneio a cada semana no cúbico espaço em que morava.

Amor bruto. Se é realmente esse o nome do devaneio mais inimaginável de Cecília. Mulher sensível a buscar o gosto de um homem de barba mal feita.
E como num ritual uma vez por semana, chegava e sabia o quanto era bom esperar Antônio e seus rompantes eufóricos e as mãos que tocavam suavemente. Euforia que se traduzia numa intensidade lenta a percorrer a noite.
A verdade é que para Antônio ela era o amor que nunca teve. A mulher doce e sensível de traços delicados. Tanto quanto ele,ela também era plena em sentir, desde o cheiro das coisas, como a força de cada olhar e o medo de perder.

E nesse medo de perder e mais ainda no de se achar é que Cecília começara a perceber naqueles olhos o que chamara de bruto amor. Era mesmo bruto, pois o que não tinha amarras, apavorava.
Era a falta de limites, sentir, sensação de liberdade. A ilusão de que podia chegar e sair sem hora e sem ninguém a lhe cobrar mero gesto de apego.
O fato é que nunca conseguiu entender que fugir fosse pior do que esperar o dia amanhecer e aceitar o quanto queria voltar quando a noite batesse. Bruto amor era não se deixar.
Não sentir o gosto da água nos lábios ressecos de tanto falar em silêncio, era negar apego tão grande por quem só lhe fazia bem.

Mas como estranhava tudo quando deixava aquele canto. Mas do que nunca criara dentro dela aquele lugar que respirava o silêncio Antissufocante do mundo. Forma insana de amar.
Cecília vivera mais, o que não tinha de ser.







 Lembrava de Lídia mais que Joana. Lembrar de Lídia para lembrar de Joana.

Certa vez vi na beira da praia o corpo de uma baleia, não era mesmo para esquecer a sensação. Grito calado, estirado em mim. O que se diz no leito da morte? Meus pés continuaram a caminhar e o grito ficou para trás.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Salvador





 

      É preciso tempo para sentir toda grandeza de uma nova cidade. Estive no Pelourinho, caminhei por ruas com calçamento de pedras. Lugares que não vou esquecer como a casa de Jorge Amado, Zélia Gattai e a Igreja de São Francisco. Salvador me traz felicidade pelo mar da Barra, pela ida ao bairro do Rio Vermelho. Ter harmonia na maneira de pensar a família de uma forma diferente. Conhecer as pessoas a partir das circunstâncias e o tempo de convivência nessa vida. Meus irmãos, meu pai, as interpretações na minha cabeça que ficam em silêncio. As fitas do Senhor do Bonfim amarradas na pequena Igreja em que os pedidos me embaralham e basta meditar um pouco e o que se pede é ter vida e um trabalho que eu possa ser incluída.

Salvador é mesmo uma cidade bonita.

A morte acompanha a vida.

É o que penso. sinto a fragilidade de viver Deus sabe como se estivesse pronta acompanhando o meu mundo mundo imantado meu silêncio pensamen...